Panorama do livro para crianças

O LIVRO PARA CRIANÇAS E JOVENS – ORIGENS E NATUREZAS

Les infortunes de Touche-à-tout, recolhido e ilustrado por Bertall (Paris: Hachette, 1861)

1 | UMA LONGA HISTÓRIA

“As histórias que dirigimos às novas gerações mudaram porque nós, porque o mundo mudou, para o bem e para o mal. E as melhores histórias são aquelas que, inconscientemente, tentam guiar os jovens leitores em sua descoberta da realidade, iluminando o caminho dos pequenos desde a sua casa até o mundo como sempre se fez.” Teresa Colomer

a | A natureza do livro infantil e juvenil
Textos que, na forma de produtos editoriais específicos, são responsáveis:
Pela formação literária de crianças e jovens adolescentes.
- Pelo acesso destes às diferentes visões de mundo constitutivas de um
determinado momento histórico.
- Pela socialização dos valores defendidos por uma dada cultura.

Acompanhar esta produção permite refazer o itinerário do aprendizado literário de diferentes gerações:
- Nos livros para crianças e jovens, mais do que na maioria de outras manifestações literárias, se reflete a maneira como uma sociedade quis e quer ser vista.
- Os adultos sempre tiveram muito claro como devem ser os livros para as crianças.
- Daí, seu corpus estar inevitavelmente determinado pelos limites que os adultos atribuam às capacidades interpretativas das crianças, do que eles julgam que seja adequado e aceitável.
- Um dos traços característicos deste gênero = desigualdade entre o livro (autor e aparato editorial) e o leitor. Papel decisivo e central do adulto na produção deste gênero.

b | Uma breve história
Longo percurso e larga tradição (fabular, clássica, popular), cuja origem corresponde ao surgimento dos contos pioneiros clássicos:

1
Charles Perrault (1628/1703) (sec. XVII)
Irmãos Grimm (Jacob 1785/1863 | Wilhelm 1786/1859) (sec. XVIII/XIX)
Hans Christian Andersen (1805/1859) (sec. XIX)

2
E aos diferentes momentos históricos do processo de “afirmação afetiva da infância” = do reconhecimento da criança como agente social (sec. XVIII), como um ser que precisa de cuidados especiais (sec. XIX), como um ser com qualidades específicas na infância e adolescência (sec. XX).

ORBIS SENSALIUM PICTUS – 1658 (London)

Joan Amos Comenius (1592-1670) Primeira obra impressa para crianças




CONTOS DA MAMÃE GANSO
Histórias e Contos de tempos passados – 1697
Charles Perrault – Grande Compilador e adaptador

Ilustração de "Contes de ma Mère l'Oye", por Gustave Doré.

Página de uma versão manuscrita (fins do século XVII) de Contes de ma mère l'Oye de Charles Perrault, mostrando O Gato de Botas.

Tradição + Maravilhoso + Moral da história (intenção pedagógica). Apesar dele não ter escrito para crianças, foi considerado na França a primeira obra infantil.

CHARLES PERRAULT E GUSTAVE DORÉ - O PEQUENO POLEGAR – 1863

Gustave Doré

CHARLES PERRAULT E GUSTAVE DORÉ - CHAPEUZINHO VERMELHO – 1863

Gustave Doré

Para saber mais sobre as ilustrações de Gustave Doré: www.2coninter.com.br/artigos/pdf/753.pdf

A TRADIÇÃO INGLESA
ROBINSON CRUSOE – 1719
Daniel Defoe (1660 ?-1731)
A primeira grande novela de aventuras
Ilustração de Clark and Pine, 1719, para a primeira edição inglesa

AS VIAGENS DE GULLIVER – 1726
JONATHAN SWIFT (1667-1745)
Primeira edição de "As viagens de Gulliver" (título original: “Viagens em Diversos Países Remotos do Mundo em Quatro Partes”), de Jonathan Swift (London, 1726)


STRUWWELPETER | JOÃO FELPUD0 – 1844
Heinrich Hoffman (1809-1894)

Uma das primeiras edições de "João Felpudo"         

         

Edição recente, pela ed. Iluminuras
Este livro é um marco, a partir deste momento os livros para crianças começam a se distanciar de sua carga excessivamente moralista e começam a se aproximar de modelos literários próprios. Uma das primeiras histórias onde a força da imagem é mais sugestiva que o texto. Aparece a criança anárquica que faz o que quer sem se importar com as consequências. Imagem da infância menos rígida e artificial, as crianças são levadas, travessas e perversas e devem ser castigadas pelas suas ações.

Ilustração de "João Felpudo" 


WILHELM BUSCH (1832-1908)
MAX UND MORITZ – EINE BUBENGESCHICHTE IN SIEBEN STREICHEN
JUCA E CHICO – HISTÓRIA DE DOIS MENINOS EM SETE TRAVESSURAS




Edição alemã de "Juca e Chico", ilustração de uma das travessuras, duas edições atuais, das editoras Iluminuras e Pulo do Gato


ARTHUR RACKHAM (1867-1939)
O Mundo feérico e fantástico de Rackham


Ilustrações de Arthur Rackham


Para conhecer mais sobre Rackham, acesse: http://arthur-rackham-society.org/links.html

SENDAK

"Onde vivem os monstros", de Maurice Sendak, ed. Cosac Naify



O que podemos pensar a partir destas imagens?
» Concepções diversas de infância e de educação.
» Concepções diversas do livro e da leitura.
» Diversidade de gêneros e subgêneros: obras de caráter enciclopédico, didáticas, de aventura, fantasia...
» Caráter formador e instrumental, à serviço de alguma mensagem, vocação ou moral.

Que tendências podemos identificar?
» Progressiva valorização da infância, mudança de pontos de vista, progressivo reconhecimento do destinatário.
» Escritas ou não para elas muitas histórias foram apropriadas pelos jovens leitores.
» Aventura, humor, apelo pelo desconhecido, fantasia, força do homem frente à natureza, são temas recorrentes.
» Presença da tradição popular e clássica.

c | Que livros e que leituras?
A leitura como preocupação surge no séc. XIX, quando a criança passa a ser vista como um agente social que precisa de cuidados específicos para sua formação cívica, humanística, estética, intelectual e espiritual.
A produção de livros direcionados a um público jovem vai ganhando corpo e independência, em estreita relação com o desenvolvimento das concepções de infância, escola, bibliotecas, leitura e leitores.
Período entre-guerras, surgem as primeiras bibliotecas infantis experimentais e são criados os primeiros instrumentos de animação da leitura.
1918 (um dia depois do armistício) forma-se um Comitê para criar bibliotecas infantis nas zonas destruídas pela guerra.
1920 – Biblioteca Bruxelas / 1924 – L’Heure Joyeuse - Paris
Necessidade de criar critérios para a seleção de livros.
» primeiros estudos sobre o gênero, o livro infantil e juvenil ganha estatuto de objeto de investigação.

O que é importante para um mediador levar em conta?
» O caráter histórico da “evolução” dos livros para crianças e jovens.
» Conhecer esta história, as referencias, os clássicos, os momentos de ruptura.
» O livro como invólucro de diferentes visões de mundo, da infância, da leitura.
» O forte caráter instrumental do gênero.
» Distinguir caráter formador de caráter pedagógico.
» O papel do adulto na definição e na escolha durante o processo inteiro, da elaboração até a mediação.
» Íntima relação entre livros infantis, leitura, escola, bibliotecas.
» Formação de leitores.

Algumas questões de fundo que todo mediador deveria fazer?
» O que entendo por infância?
» Como vejo a criança?
» Para que a leitura? Instrumental? Livre?
» O que é literatura, o que são livros informativos, a diversidade de gêneros?
» Que leitor quero formar?
» A diversidade de leitores.
"Mafalda", de Quino


UM OLHAR SOBRE O LIVRO ILUSTRADO
ALGUMAS REFERÊNCIAS TEÓRICAS


PARA LER O LIVRO ILUSTRADO
SOPHIE VAN DER LINDEN
COSAC NAIFY


TRAÇO E PROSA
MAURICIO PARAGUASSU, ODILON MORAES, RONA ANNING
COSAC NAIFY



a| Grande diversidade



Página interna do livro "Para ler o livro ilustrado", ed. Cosac Naify

“O tom de um livro álbum não é dado unicamente pela voz do narrador. Esta se complementa com a opção plástica escolhida para representar a história. As ilustrações podem criar ambientes dos mais variados tipos: lúgubres ou iluminados, cálidos ou gélidos, góticos ou hi-tech, minimalistas ou transbordantes de profusos detalhes etc. As boas ilustrações ambientam com o texto em uma relação dinâmica em que ambos surgem mais favorecidos: se o interpretam, enriquecem ao invés de redundar; se o amplificam, potencializam ao invés de anulá-lo; se o contradizem, o fazem buscando intencionalmente a dissonância.” 
Teresa Colomer 
(Sete Llaves para valorar las historias infantiles, Fundación Germán Sánchez Ruipérez, Madrid, 2002)

b | Antecedentes
Nos primeiros registros de livros para crianças e durante muito tempo, o texto centralizava toda a narrativa e eventualmente víamos uma ou outra ilustração que marcavam o livro em páginas isoladas.

Orbis Sensalium Pictus, 1658 | Joan Amos Comenius (1592-1670): primeira obra impressa para crianças.

A partir do século XVIII, com o desenvolvimento das técnicas de impressão começamos a ver o convívio de imagens e texto na mesma página com mais frequência.

Livro de Charles Perrault, 1763


THOMAS BEWICK (1753-1828)

Para ver trabalhos de Bewick, acesse: http://www.bewicksociety.org/galleries.html

WILLIAM BLAKE

"Cantos de inocência", de William Blake (1789)

E no início do século XIX, esta convivência de fato se consolida e a imagem começa a ganhar mais riqueza de detalhes e depois cores podendo assim esboçar um novo papel na narrativa.

GEORGE CRUIKSHANK (1792-1878)

 
George Cruikshank (1792-1878), ilustrador e caricaturista inglês


EDWARD LEAR (1812-1888)


Edward Lear (1812-88), "A book of nonsense" (1846)

Conheça mais sobre a literatura nonsense de Edward Lear: http://www.nonsenselit.org/Lear/index.html

WALTER CRANE (1845-1915)
 
 "Baby’s own alphabet", de Walter Crane, 1875.

Walter Crane, um dos mais populares ilustradores vitorianos, foi um dos primeiros expoentes do livro ilustrado colorido. Crane via o livro como uma casa onde todos os elementos – texto, ornamentos e figuras – deveriam estar subordinados a um conceito único que o leitor iria descobrindo ao caminhar por todo o livro, a cada um de seus “ambientes”. Era o projeto “de capa à capa”.



 Ilustrações de Walter Crane para“Chapeuzinho Vermelho”, 1873



RANDOLPH CALDECOTT (1846-1886)


Saiba mais sobre Randolph Caldecott: http://www.randolphcaldecott.org.uk/who.htm

KATE GREENAWAY (1846-1901)


Saiba mais sobre Kate Greenaway: http://www.ortakales.com/illustrators/Greenaway.html

c | O Surgimento do livro ilustrado moderno

EDY-LEGRAND (1892-1970)

"Macao et cosmage",  1919

Para ver todas as ilustrações, acesse: http://www.fulltable.com/vts/aoi/l/legrand/mc.htm

WIENER WERKSTATTE (1903-1932)




CARL OTTO CZESCHKA (1878-1960)
 "Nibelungen", 1909


SAMUEL MARCHAK (1887-1964)



EL LISSITZKY (1980-1941)
 "História dos dois quadrados", 1922


NATHALIE PARRAIN



FEODOR ROJANKOVSKY (1891-1970)


Mais ilustrações do artista em: http://www.fulltable.com/vts/aoi/r/roja/r.htm

d | Panorama e tendências contemporâneas

Acesse: http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=83 para ler o artigo “Trânsitos, aproximações e deslocamentos: Ilustração, design e artes plásticas dentro da paisagem da concepção e produção de livro infanto-juvenil”, de Edith Derdyk

BRUNO MUNARI (1907-1998)


 Il Pré Libri, de Bruno Munari, 1980


 "Na noite Escura", de Bruno Munari, editora Cosac Naify.

IELA MARI (1931-2014)

ENZO MARI (1932)



MAURICE SENDAK (1928-2012)


 "Onde vivem os monstros", 1967

WARJA LAVATER (1913-2007)

 "Chapeuzinho Vermelho", Warja Lavater



Mais livros da artista: https://printedmatter.org/tables/33

KVETA PACOVSKA (1928)

 "Un livre pour toi", 2004

Leia o artigo: “Kveta Pacovska: Um museu ao alcance da mão”, de Javier Sobrino, em

KATSUMI KOMAGATA (1953-)



Leia o artigo: “Katsumi Komagata: o mundo contemplativo”, de  Thais Caramico, em http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=220   

ANTHONY BROWNE (1946-)


 Anthony Browne, "Voices in the Park", 1999

Saiba mais sobre o trabalho de Anthony Browne: 


SIL SILVERSTEIN (1930-1999)

 "A árvore generosa", de Sil Silverstein, Cosac Naify

SHAUN TAN (1974-)

 "A coisa perdida", Shaun Tan, SM


Visite o site do autor: http://www.shauntan.net/

Conteúdo apresentado por DOLORES PRADES no módulo PANORAMA DO LIVRO PARA CRIANÇAS, dia 29 de setembro na Biblioteca Infantil e Juvenil de Belo Horizonte.